sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Ventos que trazem más notícias

Era uma comecinho de tarde de quarta-feira quando o acaso me levou à Praça da Bandeira. Eu nem tinha almoçado ainda e me aguentava em pé graças a uma barrinha de cereal. Precisava cumprir minha tarefa de repórter, assim como outros que já estavam lá quando cheguei. Todos aguardavam um helicótero que, dentro em breve, rasgaria o céu limpo e pousaria no meio da praça. Todos: eu, outros repórteres, fotógrafos, cinegrafistas, curiosos [alguns até sem saber o que iria acontecer], policiais, socorristas.

O barulho das hélices surgiu repentinamente e a aeronave voava baixo. Foi pousando no meio da praça e provocando uma ventania que espalhou areia e folhas sobre as pessoas. O socorristas correram com a maca até lá, os cinegrafistas e os fotógrafos foram atrás; o povo seguiu o exemplo.

Eu e os demais repórteres ficamos afastados, esperando. Cheguei um pouquinho mais perto, indignada com a falta de consciência das pessoas. Havia até uma mulher gravando com uma câmera de celular! "Gente, vamos afastar! A vítima tem que respirar!", gritou um senhor lá da borda da calçada. Uma mãe pegou sua filhinha pelo braço e a levou embora. "Você não pode ver essas coisas não. Ela é uma bebezinha igual a você", disse a senhora.

Pouco tempo depois, os socorristas corriam com a maca pela praça em direção a uma das ambulâncias. O vento soprava e emaranhava os meus cabelos, mas os dela, uma criaturinha de apenas 10 anos, estavam estáticos sobre a esteira branca. A face morena sob o sol, apesar da testa inchada, parecia dar-lhe vida - algo que parecia querer abandoná-la. A mim, tudo soava onírico.

A ambulância seguiu para o Instituto Dr. José Frota [IJF] e nós, repórteres, corremos pelas calçadas até chegar lá - eu já desperta do que achava ser sonho. Na porta da emergência, ainda presenciamos outras crianças chegarem em ambulâncias vindas dovizinho município de Beberibe, com bracinhos e perninhas machucados pelas telhas e madeiras que caíram sobre eles poucas horas antes na escola em que estudam.

O chefe de equipe da emergência, Mardônio Salmito, disse ter esperanças da recuperação da menina que viera pelos céus. "As crianças sempre respondem melhor". Hoje à tarde, as palavras de outro chefe de equipe, Gersivam Gomes, foram diferentes. "Grave, grave e grave", disse ele a respeito do estado de saúde da menina.

Aos que têm fé, reza. E talvez o nome Francisca venha daí. Algumas mães batizam seus filhos com esse nome quando eles nascem com alguma doença e se curam. A esperança é de que a promessa feita há 10 anos possa se renovar agora e faça Francisca voltar a brincar.

Nessa tarde, mulheres cantavam na capela do IJF e suas vozes ecoavam pela entrada do hospital. Alí encostada no corrimão, aguardando o carro que me levaria de volta à redação, eu escondi o crachá sob os braços cruzados e chorei.

Leia as matérias que saíram nos jornais O Povo e Diário do Nordeste

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Para criancinhas e criançonas

Imagine uma revista em quadrinhos em que um dos personagens é negro e chamado pelos amigo de "preto", ou uma ilustração com ditados em que consta a imagem de uma mulher levando um murro de um homem e, embaixo, lê-se "Pancada de amor não dói". Ou mesmo uma tirinha que traz um garoto perguntando a um senhor que teve uma das pernas amputadas se o chinelo que achara pertencia a ele. Se você está pronto para disparar todos os discursos politicamente corretos, esqueça. Trata-se de produções do artista Luiz Sá que estão expostas no Centro Cultural Banco do Nordeste.

A exposição acontece por evento dos 100 anos de nascimento do artista, que morreu em 1979. Dentre as obras expostas, vários quadrinhos dos danados Reco-reco, Bolão e Azeitona, mostrando a amizade e a arenga entre eles. Não dá para sair da exposição sem dar gostosas risadas das historinhas e sem admirar exemplares das publicações do artista. Também não dá para passar por lá sem curtir o Pinga-fogo, o detetive errado, com histórias que profeciam a série CSI.

Algumas ilustrações parecem prever o momento em que vivemos, como "Fortaleza, como te vi e te vejo agora", que mostra, em um plano, casinhas, datado de 1929, e noutro, altos prédios, com a data de 1978 - e muito atual em 2007.

É massa também sentar no banco do fundo de uma salinha escura onde passa um documentário sobre Luiz Sá, produzido nos anos 1970 por Roberto Machado Jr. e recentemente recuperado.

SERVIÇO
Exposição Luiz Sá - 100 anos
até 31 de outubro no Centro Cultural Banco do Nordeste
Rua Floriano Peixoto, 941, Centro
Telefone: 85 3464 3108

*imagem retirada do site Gibindex

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Que lindo palhaço!


Em plena tarde primaveril - embora o sol de verão estivesse truando lá fora -, um palhaço brincava entre violinos e violoncelos. Meigo, gentil, engraçado. Era Orlângelo Leal - ou melhor, Bitovin [referência a Beethoven] escrito do jeito cearense mesmo, como ele explicou -, todo colorido, vestido e pintado à caráter no concerto didático da Orquestra de Câmara Eleazar de Carvalho da Semana da Criança. A apresentação, realizada no Theatro José de Alencar (TJA), também comemorava o selo e o carimbo comemorativos dos Correios aos dez anos da orquestra.

Rodopiando, saltando e cantando, Bitovin trazia a platéia, formada por crianças e adolescentes, para junto dos músicos. Falando em cearês puro e simples, fazia aquela cambada de minino dar altas gargalhadas. Ajudando os que subiam para arriscar uns acordes nos instrumentos, deixava-os seguros de que não precisavam harmonizar nenhuma nota: o importante alí era a experiência com os músicos e os instrumentos.

Bitovin - ou será Orlângelo Leal? - é um minino feliz, uma criança linda que gosta de fazer novos amigos - só naquela tarde, foram mais de 300. "A idéia é criar um formato de ouvir música erudita de forma lúdica. O concerto abre oportunidade para que as crianças conheçam elementos da música que não estão na mídia", disse nos bastidores do palco do TJA. O músico e ator compõe a banda Dona Zefinha.

Curiosidade

Dependendo do número de músicos e do volume do som, a orquestra recebe sua classificação. É o que explica o regente da Orquestra de Câmara Eleazar de Carvalho, Márcio Landi. Uma sinfônica, por exemplo, necessita de um grande volume de som. Já a de câmara, nem tanto. O nome, aliás, deriva do italiano e significa quarto ou aposento. Ou seja, a orquestra de câmara é apropriada para tocar em ambientes pequenos. Formada basicamente por instrumentos de corda, a orquestra de câmara remonta ao período barroco [século XVII]. Sua sonoridade, conforme o regente, é mais intimista.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Jornalismo e violência?


Tropa de Elite pode ser a bola da vez no cinema e no mercado de DVDs piratas, mas os fatos do filme, se contados em forma de notícias, não causariam grande alarde. Aliás, em vez da euforia do público, desdém, ou mesmo reclamação, fosse a reação dele. É que a idéia de que o povo gosta de ler preferencialmente sobre fatos violentos está com os dias contados [o jornal que continuar nesse viés pode estar assinando o contrato de falência].

É óbvio que a questão da segurança pública tem de ser pauta constante nas mais diversas mídias - na TV mais ainda. De fatos sobre mortes, assaltos e outros crimes, as pessoas estão saturadas e virando zumbis do Barra Pesada, do Cidade 190 e lá vai. Mas a cobertura ainda está evoluindo.

Qual das duas manchetes você prefere: "Casal é assaltado na avenida Raul Barbosa" ou "Aumenta números de assaltos na Raul Barbosa"? Você prefere conhecer o fato ou o fenômeno?

A principal questão da cobertura sobre segurança pública está nesse detalhe. Casais assaltados nessa avenida, infelizmente, é fato freqüente. E por que isso acontece? Onde está o policiamento? O que se tem feito para dar mais segurança às pessoas que têm de circular por alí?

É isso o que o leitor e a população esperam de nós, jornalistas: que escrevamos algo que traga noção do que acontece na cidade e que, acima de tudo, esclareça.

Deus os abençõe...


Antes mesmo de 9 horas, o plenário da Assembleia Legislativa estava lotado. Bom para o povo ter seus representante reunidos naquele espaço de onde devem sair decisões importantes... até se descobrir o real motivo: a comemoração do aniversário do presidente da Casa, Domingos Filho. O homi era só sorrisos, todo lisonjeado. Afinal, tinha bolo, o padre rezara a missa dentro do plenário diante do crucifixo gigante pregado na parede e todo o ritual estava sendo transmitido em TV aberta. Cerca de uma hora de programação importantíssima para os brios do deputado e inútil para os três milhões de fortalezenses. Como bem ponderou o jornalista Daniel Sampaio, do O Povo, já pensou se todos os deputados resolverem querer uma festa desse naipe? Pelo menos é um motivo para fazer com que a maioria deles fique no plenário.
Em tempo: já reparararan que a TV Assembléia só usa plano fechado em suas transmissões da sessão? É justamente porque o plenário fica tão vazio que a voz de quem se pronuncia - mesmo usando microfone - chega faz eco. Ontem, depois da festinha, ficaram uns cinco gatos pingados - e mesmo assim, conversando com outros, atendendo o celular...

Minino réi arengueiro

Para completar o dia feliz, ainda teve discussão entre dois deputados. Carlomano Marques (PMDB) e Augustinho Moreira (PV) quase se pegam por causa de um mal entendido - quiçá por causa de besteira. O peemedebista se pronunciava a respeito de uma matéria publicada no Diário do Nordeste que repercutia a declaração do presidente da Câmara dos Vereadores, Tin Gomes, de que a AL discutia mais os problemas de Fortaleza que os do Ceará como um todo e que isso visava atacar à prefeita Luizianne Lins.

No fim desse pronunciamento, chegou Augustinho Moreira, que, mesmo pegando a história pela metade, não titubeou em botar a boca no microfone para dizer que o colega estava usando o tempo da tribuna para atacar Tin Gomes. "Vossa Excelência não sabe ler não?", indagou o outro. Isso feriu profundamente os brios do deputado do PV. "Vossa Excelência está me atacando me chamado de analfabeto! Eu não aceito esse tipo de provocação!", esbravejou, como o dedo em riste. "Não aponte o dedo pra mim não! Se enxerga, rapaz!" Os ânimos ficaram tão exaltados que assessores tiveram de levar Augustinho Moreira para fora do plenário. Minutos depois, correria para ver o que acontecia no corredor. Segundo um assessor da AL, o deputado do PV passou por Carlomano Marques soltando piada quando um dos assessores deste deu um empurrão naquele.

"Ele poderia ter perguntado se eu não tinha lido a matéria, mas não se eu sabia ler", lamentou Augustinho Moreira depois, com os ódios mais abrandados. Domingos Filho ficou de chamar os dois para a conversa e dar-lhes um bolo de palmatória em cada mão.
* foto retirada do site da Assembléia Legislativa

domingo, 7 de outubro de 2007

Imposição

Essa semana, minha televisão deu problema: não aumenta nem diminui o volume e não muda de canal. Fica o tempo todo na Globo. A estúpida máquina me obriga a assitir o que ela quer! Já apertei que afundei o botão, mas ele é implacável: só quer ficar na Globo. Pareceu-me estranhamente coincidente isso acontecer no período de renovação das concessões e num momento em que a emissora perde pontos de audiência.

A situação que pra mim é obrigatória, é uma das poucas opções das cerca de 30 famílias que moram no meu quarteirão e de milhares da minha cidade. Se eu tivesse de ir na budega comprar uma coisa e não quisesse perder o capítulo da novela, era só apurar o ouvido ao passar na frente de cada uma das casas e ouvir de pedaço em pedaço o diálogo dos personagens.

Mas de uns anos pra cá, as coisas mudaram. Eu passo na rua e ouço - quando não vejo, já que alguns moradores gostam de pôr a televisão na calçada - os mais diversos sons, não mais a orquestra afinada da novela das oito. Filmes, shows... tem gente desistindo de assistir à Globo - e aos outros canais também. Não se percebe que o telespectador mudou, mas as emissoras continuam fazendo a mesma coisa todos os anos: a menina bonitinha da escola moderninha sempre fala as mesmas coisas; o vilão de olhar brilhante também.

Como já sei a história toda de cor - e parece que outras pessoas também -, prefiro desligar o diabo da TV, estranhar o silêncio da casa e ouvir a zuada dos meninos que brincam no meio da rua.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

No deslizar do ônibus, uma música

- "Hoje eu tive um sonho que foi o mais bonito
Que eu sonhei em toda a minha vida
Sonhei que todo mundo vivia preocupado
Tentando encontrar uma saída
Quando em minha porta alguém tocou
Sem que ela se abrisse ele entrou
E era algo tão divino, luz em forma de menino
Que uma canção me ensinou"
Vai, maxo. O lá lá lá - exigiu o homem de camisa bicolor que empostara a voz pra cantar a estrofe.
- Lá lá lá lá lá lá... - obedeceu o outro, sentado logo atrás, sem muita empolgação.

Eles não seguiam nenhuma música que tocava no rádio. Simplesmente, eles somaram ao barulho do motor do Grande Circular 2 suas vozes. Em um ambiente em que as pessoas escondem suas expressões e fingem não ouvir nada com seus mp3 nos ouvidos, a canção que eles cantavam fez com que alguns virassem o pescoço pra olhar e outros rissem. O ônibus estava vago e a voz empostada do cantor mais o jeito envergonhado do amigo ecoaram.

- "Tinha na inocência a sabedoria
Da simplicidade e me dizia
Que tudo é mais forte quando todos cantam
A mesma canção e que eu devia
Ensinar a todos por ali
E quantos mais houvessem para ouvir
E a fé em cada coração, na força daquela canção
Seria ouvida lá no céu por Deus"
Agora o lá lá lá - indicou de novo o senhor
- Lá lá lá lá lá lá... - cantou o amigo de trás, meio desafinado. Ele parou e não cantou o restante do coro.
- Vai, maxo, serve pelo menos pra alguma coisa - reclamou o senhor